Conversa com Alamir Penna Gonçalves, mais conhecido como Alamir do Vime, aluno do 6º ano da EJA.
Não dê esmola, dê futuro. Este é o slogan que Seu Alamir faz questão de reafirmar depois de contar sua historia, pois para ele a frase não é só um amontoado de palavras para fazer efeito, ela faz parte de sua visão de mundo, uma filosofia de vida.
O que o motivou a adotá-la?
Tudo começou quando um ente muito querido morreu e Seu Alamir, em uma crise profunda de depressão passou a viver nas ruas como um mendigo. Quando superou esta fase, passou a ajudar outras pessoas.
Sua historia de superação levou-me a solicitar uma entrevista, e ao intuir minha primeira pergunta, ele foi logo dizendo:
"Nem tudo está perdido, as coisas, quando não têm solução, solucionadas estão. Sempre há esperança, aquela luzinha no fim”.
Então, para ilustrar o que dizia, contou-me a seguinte parábola:
“Um burro, muito velho, caiu em um poço. O dono resolveu matar dois coelhos de uma só vez: já que o burro estava velho e o poço seco, resolveu tapar o poço e enterrar o burro. Começou a jogar terra no buraco, mas cada vez que a terra caía sobre o animal, este a sacudia e dava uma passada. A terra foi se acumulando no fundo e o bicho sempre pisoteando-a, ficava acima dela. Resultado final: o burro se salvou.”
Moral da historia, segundo as palavras do Seu Alamir:
“Todos nós temos nossas dificuldades, mas podemos sair delas”.
Fiz uma consideração antes de lhe fazer outra pergunta – de que havia tido um problema e por isso vivia na rua – e ele nem esperou a pergunta, foi logo afirmando:
“Quando eu era um mendigo, não tinha problema, EU era o problema. Um problema social, um problema familiar.”
E continuou explicando seu ponto de vista:
“Hoje a sociedade criou o termo ‘Morador de Rua’. Eu acho isso demagogia. Quando se precisa de um médico, o morador de rua não tem endereço para dar, então não pode ser atendido. A palavra certa é ‘Mendigo’. Palavra de choque. Eu penso assim.”
Palavras de choque, frases fortes, opiniões próprias e talvez polêmicas. Assim se mostrou Seu Alamir.
Antes de ir para as ruas, ele estava estabelecido: tinha um comercio de móveis, foi um dos primeiros a trabalhar com vime na estrada Rio/Petrópolis. Mas com a morte de sua avó, entrou
“Perdi o gosto pela vida! O ser humano é igual a uma casca de ovo. Separado da casca, da gema e da clara, não é um ovo. Família, trabalho e os grupos que convivemos são um tripé. Se um entrar em conflito, alguém sai perdendo. Entrei em conflito com a família e saí de casa. Esta atitude está enraizada no orgulho: a pessoa se ressente e vai para a rua. Na rua ele diz ‘minha família me abandonou’, então o outros o vêem como um coitadinho. E dão esmola.”
Isto seria um erro, dar esmola?
“Comunidade não tem pivete, não tem mendigo. Aí eles saem e vão para as ruas, onde a sociedade os mantém. A própria sociedade que cobra do governo que há muitos mendigos e pivetes nas ruas! E a família que mais sofre: com o familiar que foi embora e com o julgamento da sociedade. Todo mendigo se esconde da família – ninguém é mendigo na rua em que mora. Para sua família, ele é uma vergonha: foi para a rua porque quis.
O mendigo não se acha um, só descobre quando deixa de ser.
Para mim eu vivia uma vida normal. É muito difícil sair da rua. Eu mesmo não queria.”
Qual seria vantagem de ser um mendigo?
“Eu nunca passei fome. Dormia na hora que queria – no albergue tudo tem hora. E na rua a gente ainda ganha uns trocados.
Sobre o comportamento do mendigo de um modo geral, disse Seu Alamir:
“Todo mendigo é orgulhoso. Ser humilde é uma coisa, ser pobre é outra. Quando oferecem ajuda, ele aceita, mas pensa: Não estou te pedindo nada!”
Fim da primeira parte, continua no próximo texto
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