quarta-feira, 8 de julho de 2009

Não dê esmola, dê futuro.

Conversa com Alamir Penna Gonçalves, mais conhecido como Alamir do Vime, aluno do 6º ano da EJA.

Não dê esmola, dê futuro. Este é o slogan que Seu Alamir faz questão de reafirmar depois de contar sua historia, pois para ele a frase não é só um amontoado de palavras para fazer efeito, ela faz parte de sua visão de mundo, uma filosofia de vida.

O que o motivou a adotá-la?

Tudo começou quando um ente muito querido morreu e Seu Alamir, em uma crise profunda de depressão passou a viver nas ruas como um mendigo. Quando superou esta fase, passou a ajudar outras pessoas.

Sua historia de superação levou-me a solicitar uma entrevista, e ao intuir minha primeira pergunta, ele foi logo dizendo:

"Nem tudo está perdido, as coisas, quando não têm solução, solucionadas estão. Sempre há esperança, aquela luzinha no fim”.

Então, para ilustrar o que dizia, contou-me a seguinte parábola:

“Um burro, muito velho, caiu em um poço. O dono resolveu matar dois coelhos de uma só vez: já que o burro estava velho e o poço seco, resolveu tapar o poço e enterrar o burro. Começou a jogar terra no buraco, mas cada vez que a terra caía sobre o animal, este a sacudia e dava uma passada. A terra foi se acumulando no fundo e o bicho sempre pisoteando-a, ficava acima dela. Resultado final: o burro se salvou.”

Moral da historia, segundo as palavras do Seu Alamir:

“Todos nós temos nossas dificuldades, mas podemos sair delas”.

Fiz uma consideração antes de lhe fazer outra pergunta – de que havia tido um problema e por isso vivia na rua – e ele nem esperou a pergunta, foi logo afirmando:

“Quando eu era um mendigo, não tinha problema, EU era o problema. Um problema social, um problema familiar.”

E continuou explicando seu ponto de vista:

“Hoje a sociedade criou o termo ‘Morador de Rua’. Eu acho isso demagogia. Quando se precisa de um médico, o morador de rua não tem endereço para dar, então não pode ser atendido. A palavra certa é ‘Mendigo’. Palavra de choque. Eu penso assim.”

Palavras de choque, frases fortes, opiniões próprias e talvez polêmicas. Assim se mostrou Seu Alamir.

Antes de ir para as ruas, ele estava estabelecido: tinha um comercio de móveis, foi um dos primeiros a trabalhar com vime na estrada Rio/Petrópolis. Mas com a morte de sua avó, entrou em depressão. Segundo ele, naquela época (anos 70) a depressão não era conhecida como uma doença, e por isso ele não fez tratamento.

“Perdi o gosto pela vida! O ser humano é igual a uma casca de ovo. Separado da casca, da gema e da clara, não é um ovo. Família, trabalho e os grupos que convivemos são um tripé. Se um entrar em conflito, alguém sai perdendo. Entrei em conflito com a família e saí de casa. Esta atitude está enraizada no orgulho: a pessoa se ressente e vai para a rua. Na rua ele diz ‘minha família me abandonou’, então o outros o vêem como um coitadinho. E dão esmola.”

Isto seria um erro, dar esmola?

“Comunidade não tem pivete, não tem mendigo. Aí eles saem e vão para as ruas, onde a sociedade os mantém. A própria sociedade que cobra do governo que há muitos mendigos e pivetes nas ruas! E a família que mais sofre: com o familiar que foi embora e com o julgamento da sociedade. Todo mendigo se esconde da família – ninguém é mendigo na rua em que mora. Para sua família, ele é uma vergonha: foi para a rua porque quis.

O mendigo não se acha um, só descobre quando deixa de ser.

Para mim eu vivia uma vida normal. É muito difícil sair da rua. Eu mesmo não queria.”

Qual seria vantagem de ser um mendigo?

“Eu nunca passei fome. Dormia na hora que queria – no albergue tudo tem hora. E na rua a gente ainda ganha uns trocados.

Sobre o comportamento do mendigo de um modo geral, disse Seu Alamir:

“Todo mendigo é orgulhoso. Ser humilde é uma coisa, ser pobre é outra. Quando oferecem ajuda, ele aceita, mas pensa: Não estou te pedindo nada!”

Fim da primeira parte, continua no próximo texto

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